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sábado, 29 de maio de 2010

O problema lógico da indução.

O problema lógico da indução
José Rogério de Pinho Andrade

1. Distinção básica entre a indução e a dedução.

Para analisarmos “O problema lógico da indução” convém iniciarmos com uma tentativa de esclarecer o que é a indução para em seguida indicarmos em que consiste o seu “problema lógico”. Não é nosso propósito o detalhamento dos procedimentos da razão, mas tão somente situar, a partir deles, o problema sugerido no tema do trabalho.

O dicionário de filosofia de Nicola Abbagnano nos dá a noção de indução já estabelecida por Aristóteles e com a qual os demais filósofos concordaram, assim, “a indução é o procedimento que leva do particular ao universal.” Ela é “um dos caminhos possíveis pelos quais nós conseguimos formar as nossas crenças; a outra é a dedução (silogismo).”

O valor de cada desses procedimentos (dedução e indução) de construção de crenças, de opiniões e entendimento sobre a realidade é estabelecido pelo seu grau de necessidade e de demonstração. Assim, a dedução tem valor necessário e demonstrativo, enquanto a indução não e, por isto mesmo, ela não constitui ciência (que é demonstrativa), embora possa ter valor para fins de exercício, em dialética ou com objetivos persuasivos em retórica.

O valor de necessidade e demonstração da dedução está no fato de que a relação entre as premissas implica na conexão necessária expressa na conclusão.

Vejamos o exemplo:

“Todos os homens são animais;
todos os animais são mortais;
logo todos os homens são mortais.”

A relação se dá de modo necessário porque o termo médio (animais) constitui a substância ou a razão de ser da conexão.

No que diz respeito à indução, o termo médio não é um porquê substancial, mas um simples fato.

Senão vejamos com o exemplo a seguir:

“Cobre conduz energia;
Zinco conduz energia;
Cobalto conduz energia;
Ora, cobre, zinco e cobalto são metais;
Logo (todo) metal conduz energia.”

O âmbito de validade da conclusão é o mesmo do fato, isto é, da totalidade dos casos em que sua validade foi efetivamente constatada.

No livro “Introdução à Lógica”, assim Irving Copi nos faz entender a indução como

“Argumento que não deseja demonstrar a verdade de suas conclusões como decorrentes, necessariamente, de suas respectivas premissas, limitando-se a estabelecê-las como prováveis, ou provavelmente verdadeiras.” (p.313)

Copi considera que a indução (ou analogia)

“constitui o fundamento da maior parte de nossos raciocínios comuns, na qual, a partir de nossas experiências passadas, procuramos discernir o que nos reservará no futuro.” (p.314)

Deste modo, este tipo de raciocínio não pode ser classificado como válido ou inválido, somente se pode esperar deles é que tenham alguma probabilidade.

Copi, então, caracteriza a indução a partir da seguinte estrutura padrão:

“toda inferência analógica parte da semelhança de duas ou mais coisas em um ou mais aspectos para concluir a semelhança dessas coisas em algum outro aspecto.” (p. 315)

E exemplifica:

a, b, c, d têm todas as propriedades P e Q.
a, b, c têm todos a propriedade R.
Portanto, d tem a propriedade R.

Alan Chalmers aponta que a resposta indutivista entende que é legítimo generalizar a partir de afirmações singulares, desde que certas condições sejam aceitas. Assim elas são enumeradas:

1. O número de proposições de observação que forma a base de uma generalização deve ser grande;
2. As observações devem ser repetidas sob uma ampla variedade de condições;
3. Nenhuma proposição de observação deve conflitar com a lei universal derivada.

Do mesmo modo compreenderá LAKATOS e MARCONI em seu livro “Metodologia Científica” sobre o argumento indutivo (indução) que ele

“é um processo mental por intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas.” (p. 53)

As autoras destacam em seu livro que os argumentos dedutivos e indutivos fundamentam-se em premissas, no entanto,

“se nos dedutivos, premissas verdadeiras levam inevitavelmente à conclusão verdadeira, nos indutivos conduzem apenas a conclusões prováveis (...).” (p.53)

Elas destacam dois tipos de indução, a saber:

a) Completa ou formal: é a confirmação do universal a partir da observação de todos os particulares possíveis. É estéril quanto à produção de novos conhecimentos
b) Incompleta ou científica: permite induzir, de alguns casos adequadamente observados, aquilo que se pode dizer (afirmar ou negar) dos restantes elementos da mesma categoria. Este tipo de indução, fundamenta-se na causa ou lei que rege o fenômeno, constatada em um número significativo de casos mas não em todos.

E concluem com relação à indução:

a) De premissas obtidas de casos observados, passa-se à conclusão que expressa informações de casos não observados;
b) Dos indícios percebidos, passa-se a uma realidade desconhecida, por eles revelada;
c) O caminho vai do especial ao mais geral;
d) A extensão das premissas é menor do que a conclusão;
e) Passa-se da descoberta de uma relação constante entre duas propriedades à afirmação de uma relação essencial e necessária entre essas propriedades.

Considerando-se em linhas gerais os procedimentos dos raciocínios dedutivo e indutivo, passemos à análise de em que consiste “O problema lógico da indução.”

2. O problema lógico da indução

De modo direto, em que consiste o “problema lógico da indução?” Quem nos auxiliará a responder a tal questão, também de modo direto, é o epistemólogo e filósofo das ciências Karl Popper em seu livro “A lógica da pesquisa científica”. No capítulo I intitulado “Colocação de alguns problemas fundamentais”, ao tentar explicitar a tarefa da lógica da pesquisa científica, ou da lógica do conhecimento, no qual busca analisar o método das ciências empíricas, ele começa criticando a concepção corrente e comum de que as ciências empíricas caracterizam-se pelo uso dos “métodos indutivos”.

Contundente ele afirma que

“está longe de ser óbvio, de um ponto de vista lógico, haver justificativa no inferir enunciados universais de enunciados singulares, independentemente de quão numerosos sejam estes; qualquer conclusão colhida deste modo sempre pode revelar-se falsa (...).” (p.27-28)

A partir daí ele define o problema (lógico) da indução como sendo a questão de saber se as inferências indutivas se justificam e em que condições. Segundo ele, este problema pode, ainda, ser apresentado como

“a indagação acerca da validade ou verdade de enunciados universais que encontrem base na experiência, tais como as hipóteses e os sistemas teóricos das ciências empíricas.” (p. 28)

Chalmers assim apresenta o problema (lógico) da indução:

“Se a ciência é baseada na experiência, então por que meios é possível extrair das afirmações singulares, que resultam da observação, as afirmações universais, que constituem o conhecimento científico?” (p.26)


3. O princípio de indução pode ser justificado?

Como já foi estabelecido, o princípio de indução diz respeito à possibilidade de obtenção de inferências universais a partir de enunciados particulares. Segundo Popper, tal “princípio seria um enunciado capaz de auxiliar-nos a ordenar as inferências indutivas em forma logicamente aceitável.” (p. 28)

Chalmers em seu livro “O que é ciência afinal? descreve o princípio de indução da seguinte forma:

“Se um grande número de As foi observado sob uma ampla variedade de condições, e se todos esses As observados possuíam sem exceção a propriedade B, então todos os As possuem a propriedade B.” (p. 38)

É este o princípio básico em que se fundamenta a ciência, se a posição indutivista for aceita. A esta postura, Chalmers denomina de indutivismo ingênuo. Para o indutivista ingênuo a ciência começa com a observação, é a observação que fornece uma base segura sobre a qual o conhecimento científico é obtido a partir de proposições de observações por indução. Assim, uma questão óbvia com que se defronta o indutivista é: “como pode o principio de indução ser justificado?”

O indutivista pode tentar justificar o princípio da indução por duas abordagens fundamentais:

a) A abordagem lógica;
b) E pela abordagem da experiência.

Pela primeira abordagem, isto é, o apelo à lógica teremos o seguinte: os argumentos lógicos válidos caracterizam-se pelo fato de que, se a premissa do argumento é verdadeira, então a conclusão deve ser verdadeira. Esta é uma das características dos argumentos dedutivos.

Já os argumentos indutivos não se caracterizam deste modo. Eles não são argumentos logicamente válidos, pois é possível que a conclusão de um argumento indutivo seja falsa mesmo que as suas premissas sejam verdadeiras e, ainda assim, não haver contradição.

Popper assim se refere ao problema,

“Ora, o princípio de indução não pode ser uma verdade puramente lógica, tal como uma tautologia ou um enunciado analítico. De fato se existisse algo assim como um princípio puramente lógico de indução, não haveria problema de indução, pois, em tal caso, todas as inferências indutivas teriam de ser encaradas como transformações puramente lógicas ou tautológicas, exatamente como as inferências no campo da Lógica Dedutiva.” (p. 28-29)

Não sendo possível justificar o principio indutivo pela abordagem lógica, o indutivista é obrigado a apelar para outro recurso, a saber, a experiência. E como seria uma derivação de tal ordem?

Provavelmente seria assim: já foi observado que a indução funciona em um grande número de ocasiões e, deste modo, estaria justificado o principio de indução. A expressão de tal justificação apresentada por Chalmers seria a seguinte:

“O princípio de indução foi bem na ocasião X1
O princípio de indução foi bem na ocasião X2 etc.
Logo, o princípio de indução é sempre bem sucedido.” (p. 38)

Esta justificação é inaceitável como já demonstrou Hume no Século XVIII. Segundo ele, o argumento utilizado pelo indutivista é circular, pois se vale do próprio tipo de argumentação indutiva cuja validade está supostamente precisando de justificativa e, assim, não pode ser utilizado para justificar o princípio de indução. Por este raciocínio, infere-se uma afirmação universal que assegura a validade do princípio de indução registrando bem sucedidas aplicações do princípio.

Além da circularidade, o princípio de indução sofre de outras deficiências e estas se originam da vagueza e dubiedade da exigência de que um “grande número” de observações deve ser feito sob uma “ampla variedade” de circunstâncias.

O problema está justamente em estabelecer a quantidade de observações que constituem um grande número, isto é, “se o princípio da indução deve ser um guia para o que se estima como inferência científica legítima, então a cláusula ‘grande número’ terá que ser determinada detalhadamente.” (CHALMERS, 1972, p. 39-40)

A outra ameaça que se apresenta ao indutivismo ingênuo é a “exigência de que as observações devem ser feitas sob uma ampla variedade de circunstâncias (...).” (CHALMERS, 1972, p.40) O problema é semelhante ao anterior, pois o que é que deve ser considerado como uma variação significativa nas circunstâncias? A lista de variações pode ser estabelecida indefinidamente por acréscimo de outras e novas variações subseqüentes.

Se não é possível eliminar as variações que poderiam ser consideradas supérfluas, o número de observações necessárias para se chegar a uma inferência indutiva legítima será infinitamente grande. Quais as bases para julgar se um grande número de variações como supérfluo? A resposta ruma para a direção de se considerar que o critério para distinguir as variações que são significativas daquelas que são supérfluas é de base teórica da situação. Mas admitir isto é admitir um papel vital da teoria antes da observação.

Popper se refere ao problema de indução como “supérfluo e deve conduzir a incoerências lógicas” e, acrescenta,

“Pois o princípio de indução tem de ser, por sua vez, um enunciado universal. Assim, se tentarmos considerar sua verdade como decorrente da experiência, surgirão de novo os mesmos problemas que levaram à sua formulação. Para justificá-lo, teremos de recorrer a inferências indutivas e, para justificar estas, teremos de admitir um princípio indutivo de ordem mais elevada, e assim por diante. Dessa forma, a tentativa de alicerçar o princípio de indução na experiência malogra, pois conduz a uma regressão infinita.” (p. 29)

O recurso à experiência também pode ser classificada como a solução subjetivista ou crítica do problema da indução. Segundo Nicola Abbagnano, ela foi proposta por Kant e “consiste em admitir a uniformidade da estrutura categorial do intelecto e, por isso, da forma geral da natureza que dele depende.” Isto é, a uniformidade das leis obtidas pela experiência está garantida pela uniformidade da forma comum (intelecto-natureza).

4. Algumas possibilidades de defesa do princípio de indução?

a) O Recuo à probabilidade

Uma argumentação em favor do indutivismo pode ser apresentada apelando-se à probabilidade, isto é, embora as generalizações obtidas por induções legítimas não possam ser garantidas como perfeitamente verdadeiras, elas são provavelmente verdadeiras. Isto é, à luz das evidências das premissas é muito provável que a conclusão indutiva seja verdadeira.

Considerando-se que o conhecimento científico representa conhecimento que é provavelmente verdadeiro quanto maior for o número de observações formando a base de uma indução e maior a variedade de condições sob as quais essas observações são feitas, maior será a probabilidade de que as generalizações resultantes sejam verdadeiras.

Substituir o princípio da indução pelo da probabilidade não superará em nada o problema de justificativa da indução, pois que o princípio da probabilidade ainda é um princípio universal obtido indutivamente e que sofre das mesmas deficiências das tentativas de justificar o princípio em sua forma original.

Segundo entendimento de Chalmers, a probabilidade aplicada às leis e teorias científicas incorre no seguinte problema:

“(...) qualquer evidência observável vai constituir em um número finito de proposições de observação, enquanto uma afirmação universal reivindica um número infinito de situações possíveis”. (p. 42)

Outra tentativa de salvar o programa indutivista está associada à

“desistência da ideia de atribuir probabilidades a leis e teorias científicas. Em vez disso, a atenção é dirigida para a probabilidade de previsões individuais estarem corretas.” (p. 42)

Deste modo, a ciência estaria

“relacionada com a produção de um conjunto de previsões individuais em vez de produção de conhecimento na forma de um complexo de afirmações gerais (...).” (p. 42)

Ora, tal postura atribuída à ciência, é no mínimo antiintuitiva. E, mesmo que assim se dê com a atenção científica voltada para as previsões individuais, pode-se argumentar que as teorias científicas e as previsões universais, “estão inevitavelmente envolvidas na estimativa da probabilidade de uma previsão ser bem-sucedida.” (p. 42-43) E é justamente esta dependência da probabilidade de exatidão de previsões às teorias e leis universais que enfraquece a sua defesa.

A postura probabilista, segundo Nicola Abbagano está associada à classificação pragmática da solução do problema de justificação do princípio de indução. De um modo geral, diz tal interpretação que a justificação pode ser feita asseverando-se:

a) Que a indução é o único meio de obter previsões;
b) Que ela é o único meio suscetível de autocorreção.

A crítica a esta postura já foi estabelecida. No primeiro caso, reforça-se a ideia de que o sucesso das previsões não confirma a indução, e o seu insucesso não a nega. No segundo caso, pressupõe-se que para estabelecer a autocorreção que ela seja progressiva, isto é, que seja dirigida para uma direção única e apropriada. Nos dois casos é de uma pretensão dedutiva que se trata em última instância.

b) A postura cética e o falsificacionismo.

Segundo Chalmers uma das respostas possíveis ao problema da indução é a postura cética adotada e que consiste em aceitar que a ciência se baseia na indução e aceitar também a demonstração de que a indução não pode ser justificada por apelo à lógica ou à experiência, e concluir que a ciência não pode ser justificada racionalmente. Esta é a posição de David Hume que sustenta que crenças em leis e teorias nada mais são do que hábitos ou crenças adquiridos como produto da repetição.

A solução (crítica) apresentada ao princípio de indução no modelo de Hume, fica também conhecida como solução objetivista segundo Nicola Abbagnano e consiste em considerar a existência de uma uniformidade da natureza que admite a generalização das experiências uniformes. Supõe, portanto, o princípio da causalidade e do determinismo natural.

Outra resposta possível

“é enfraquecer a experiência indutivista de que todo conhecimento não-lógico deve ser derivado da experiência e argumentar pela racionalidade do princípio da indução sobre outra base.” (p. 44)

Ver o princípio da indução como “óbvio” não é aceitável, pois que o óbvio “depende demais de nossa educação, nossos preconceitos e nossa cultura para ser um guia confiável para o que é razoável.” (p. 44)

Uma última solução ao problema da indução envolve a negação de que a ciência se baseie em indução. O problema de indução será evitado se pudermos estabelecer que a ciência não envolva indução. Os falsificacionistas, especialmente Karl Popper, tentam fazer isto.

5. Conclusão

Pode-se concluir com relação ao “Problema lógico da indução” que não é possível justificar a indução, mas também que seu problema carece de sentido se considerarmos o termo justificação como demonstração da validade infalível do procedimento indutivo. Não tem sentido porque inferir os casos não observados dos casos observados, não é possível por falta de dados. Se tais dados forem apresentados, o problema deixa de existir.

No entanto, a eliminação do problema lógico da indução, não exime o filósofo da responsabilidade de analisar os procedimentos aplicados por cada ciência, de confrontar tais procedimentos e de fazer as devidas generalizações que possam advir desse confronto.

Os procedimentos científicos e, em geral, os procedimentos racionais do homem consistem em limitar os riscos e não eliminá-los. Portanto, os procedimentos filosóficos não podem ser propostos de tal forma que a sua solução signifique a eliminação do risco.

Bibliografia:

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. 1ª ed. Alfredo Bosi. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
CHALMERS, Alan F. O que é ciência, afinal? Trad. Raul Fiker. São Paulo: Brasiliense, 1993.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI; Marina de Andrade. Metodologia Científica. 3. Ed São Paulo: Atlas, 2000.
POPPER, Karl. A lógica da Pesquisa Científica. Trad. Leônidas Hegemberg e Octanny Silveira da Mota. São Paulo: Editora Cultrix, 1972.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: de Freud à atualidade. v. 7. São Paulo: Paulus, 2006. (Coleção História da Filosofia)
________________________. História da Filosofia: de Spinoza a Kant. v. 4. São Paulo: Paulus, 2005. (Coleção História da Filosofia)

 

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