O trabalho rural no Brasil está vinculado diretamente à história da formação territorial brasileira que foi marcada pelo regime de sesmarias. Ao recebê-las os concessionários tinham como obrigação promover a sua exploração e, para tanto, valeram-se da mão-de-obra escrava por aproximadamente três séculos.
As instituições das sesmarias e da escravatura tiveram termo no Século XIX. As primeiras em 1822 e a segunda em 1888. No intervalo entre uma e outra, conquistas foram obtidas pelos escravos em torno da campanha de libertação.
Foi na esteira das concepções humanistas, baseadas na valorização do trabalhador e na liberdade em todas as suas dimensões possíveis, que se deu a evolução conceitual do trabalho rural. Contudo, somente no Século XX, no ano de 1943, foi que se deu a possibilidade de justiça para com os trabalhadores com a edição de legislação trabalhista.
A legislação trabalhista em questão, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), foi concebida para favorecer os trabalhadores empregados e, em especial, os do centro urbano. Quanto aos trabalhadores rurais, de modo expresso, a legislação não os contemplou como se depreende de seu art. 7º, in verbis:
“Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação, salvo quando for, em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam:
a) omissis
b) aos trabalhadores rurais, assim considerados aqueles que, exercendo funções diretamente ligadas à agricultura e à pecuária, não sejam empregados em atividades que, pelos métodos de execução dos respectivos trabalhos ou pela finalidade de suas operações, se classifiquem como industriais ou comerciais.”
Apesar de tudo, os trabalhadores rurícolas puderam vislumbrar alguns direitos como salário mínimo, férias anuais remuneradas, aviso prévio, dentre outros.
Desatendido pela legislação trabalhista, a não ser por alguns direitos esparsos, o trabalhador rurícola busca, por intermédio de pressões mais do que justas, maiores benefícios sociais. Em especial, depois da promulgação da Constituição de 1946, que em seu art. 157, XII, previu a estabilidade no emprego e a indenização por prescrição contratual para o empregado rural, a luta por mais direitos resulta na edição do Estatuto do Trabalhador Rural (ETR) no ano de 1963 (Lei nº 4.214, de 02 de março de 1963). Com a nova legislação, aquilo que fora negado ao trabalhador rural pela CLT, passou a lhe ser concedido no Estatuto.
Longe de se firmar como justiça aos direitos dos trabalhadores rurais, o referido Estatuto portava alguns vícios tais que demandavam uma futura revogação. Seu principal defeito foi generalizar como “empregado” qualquer trabalhador rural. As diversas demandas na justiça levam ao entendimento jurisprudencial de que o diploma legal não deveria alcançar todos os trabalhadores do campo, mas apenas aqueles que eram empregados.
As distorções legislativas do Estatuto do Trabalhador Rural foram substituídas pela Lei nº 5.889, de 08 de junho de 1973, regulamentada pelo Decreto a.73.626, de 12 de fevereiro de 1974. Nesta nova lei, s figuras do empregado e do empregador foram definidas, as peculiaridades do trabalho rural foram especificadas e, por fim, mandava a lei aplicar, nas demais situações, a Consolidação das Leis Trabalhistas.
Por este novo diploma legal, define-se “empregado rural” como:
Art.2º Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário.
No entanto, doutrinariamente, a nova definição merece críticas por ser considerada incompleta, visto não estabelecer a finalidade da atividade exercida. Deste modo, em seus comentários à nova lei do trabalho rural, Roberto Barreto Prado em citação de Benedito Ferreira Marques, leciona que a definição de “empregado rural” deveria ser:
“É empregado rural a pessoa física que, trabalhando em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salários, diretamente relacionados com os objetivos da empresa agrária.” (p. 186)
Admite-se a crítica na medida em que há outras espécies de trabalhadores que não lidam diretamente com a terra, mas estão vinculados ao empreendimento agrário, tais como, motoristas, tratoristas, fiscais, apontadores, etc.
Procurando distinguir o “trabalhador rural” do “empregado rural”, Benedito Ferreira Marques no leciona que o diploma caracteriza o primeiro como
“[...] aquele que exerce a atividade agroindustrial e que tanto pode trabalhar como autônomo como sob subordinação, vale dizer, por conta própria ou por conta de uma certa empresa. Já o empregado rural exerce as suas funções em regime de subordinação ou dependência.” (p.187)
Dentre as demais distinções que a Lei estabelece, tais como a de outras categorias de trabalhadores rurais que não se enquadram como empregados rurais, e regulações como as de relações de trabalho rural, é mister destacar a definição do que é o “empregador rural”, in verbis:
“Art. 3º Considera-se empregador rural, para os efeitos desta lei, a pessoa física ou jurídica, proprietário ou não, que explore atividade agroeconômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de propostos e com o auxílio de empregados.
§ 1º Inclui-se na atividade econômica, referida no caput deste artigo, a exploração industrial em estabelecimento agrário não compreendido na Consolidação das Leis do Trabalho.
§ 2º Sempre que uma ou mais empresas, embora tendo cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico ou financeiro rural, serão responsáveis solidariamente nas obrigações decorrentes da relação de emprego.”
A justificação do tema “empregador rural” é dada pelo douto professor Benedito Ferreira Marques da seguinte maneira:
“A importância da definição legal da figura do empregador rural reside no fato de que nem sempre ele é o proprietário do imóvel rural onde se desenvolvem as atividades agrárias. Pode ser um arrendatário ou qualquer outro possuidor. É igualmente importante consignar que se equipara ao empregador rural a pessoa física ou jurídica que, habitualmente, em caráter profissional, e por conta de terceiros, execute serviços de natureza agrária mediante utilização do trabalho de outrem (art. 4º da lei cit.)”
Com a promulgação da Constituição de 1988 e ainda vigente a Lei nº 5.889 / 73 que apresenta conquistas em favor dos trabalhadores rurícolas, muitas outras conquistas se deram no elenco dos direitos desta espécie de trabalhador, tais como exemplo: proteção contra a despedida arbitrária por parte do empregador; seguro-desemprego, regulamentado pela Lei nº 7.998 / 90; FGTS; salário mínimo; piso salarial compatível com determinadas atividades; irredutibilidade do salário; garantia do salário mínimo aos remunerados em valores variáveis; 13º salário, inclusive para aposentados; adicional por trabalho noturno; definição como crime ao ato de reter salário; participação nos lucros da empresa rural; jornadas máximas de oito horas por dia e 44 horas semanais, salário-família para dependentes; repouso semanal remunerado; paga das horas extraordinárias de labor com adicional de 50%; férias anuais com acréscimo de 1/3; licença de 120 dias à gestante, etc.
Bibliografia:
MARQUES, Benedito Ferreira. Direito Agrário Brasileiro. 7ª ed. revis. e ampl. São Paulo: Atlas, 2007.
Vade Mecum. Obra coletiva de autoria da Ed. saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos e Lívia Céspedes. 4 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2007.
José Rogério de Pinho Andrade