A "Razão" dos
Iluministas
José Rogério de Pinho Andrade
Por
Iluminismo moderno entende-se o período que vai dos últimos decênios do séc.
XVII aos últimos decênios do séc. XVIII. Ele é designado muitas vezes
simplesmente Iluminismo ou Século das Luzes.
O Iluminismo
é entendido como a linha filosófica caracterizada pelo empenho em estender a
razão como crítica e guia a todos os campos da experiência humana. Ele é
compreendido a partir da relação de três aspectos diferentes e conexos:
1.
Extensão da crítica a toda e qualquer crença
e conhecimentos, sem exceção;
2.
Realização de um conhecimento, que por estar
aberto à crítica, inclua e organize os instrumentos para a sua própria
correção;
3.
Uso efetivo, em todos os campos, do
conhecimento assim atingido, com o fim de melhorar a vida privada e social de
todos os homens.
Como
filosofia hegemônica do século XVIII na Europa, o Iluminismo consiste em um
articulado movimento filosófico, pedagógico e político. Não era tanto um
sistema doutrinário, mas muito mais um movimento em cuja base está a confiança
na razão que em seu desenvolvimento representa o progresso da humanidade e a
libertação em relação aos vínculos cegos e obscuros da tradição, às amarras da
ignorância, da superstição, do mito e da opressão.
Para
os Iluministas, e mais tarde para o próprio Kant, somente o crescimento de
nossa consciência pode libertar nossas mentes de sua servidão espiritual aos
vários tipos de erros e prejulgamentos.
A
característica fundamental do Iluminismo é uma decidida confiança na razão humana,
uma confiança pautada em seu uso crítico voltado para a libertação em relação
aos dogmas metafísicos, aos preconceitos morais, às superstições religiosas, às
relações desumanas entre os homens e às tiranias políticas.
O
Iluminismo adota a confiança na razão estabelecida na postura cartesiana, mas,
por outro lado, estabelece limites a esse poder da razão. A Razão iluminista
não é uma posse de verdades eternas, nem de ideias inatas, mas é a força da
mente humana compreendida como condição para alcançar a verdade e como caminho
para a verdade. O fundamento de tal ordem racional é o empirismo inglês de John
Locke. Trata-se de uma razão limitada à experiência e controlada pela
experiência. O paradigma da razão iluminista é a física de Newton e o seu uso é
o uso público.
A
razão dos iluministas não considera excluído nenhum campo de investigação: ela
é a Razão que diz respeito à natureza e, ao mesmo tempo, ao homem. A atitude
crítica própria do Iluminismo se manifesta em sua resoluta rejeição à tradição,
a recusa em aceitar a autoridade de tradição e de reconhecer nela qualquer
valor independente da razão. A razão iluminista entende que o homem não está
reduzido à razão, mas tudo aquilo que lhe diz respeito pode ser indagado através da razão:
princípios do conhecimento, comportamentos éticos, estruturas e instituições
políticas, sistemas filosóficos e crenças religiosas.
Mesmo
não sendo muito original quanto ao seu conteúdo, que boa parte lhe vem do
século anterior, a originalidade filosófica do Iluminismo está em seu crivo
crítico de tais conteúdos e no uso que pretende fazer deles, tendo em vista a
melhoria do mundo e do homem que habita neste mundo.
O
Iluminismo sempre esteve ligado à atitude empirista e contrário aos sistemas
metafísicos, assim, a atitude cética e até mesmo irreverente é um dos seus
traços essenciais, uma filosofia que pode ser vista como um grande processo de
secularização do pensamento. A filosofia iluminista é uma filosofia do deísmo
(religião racional e natural; é tudo aquilo e somente aquilo que a razão humana
pode admitir), pois que a este esteve ligado muitos filósofos empiristas.
A
razão dos deístas admite:
1.
A existência de Deus;
2.
A criação e o governo do mundo por Deus;
3.
A vida futura, em que se recebe a paga pelo
bem e pelo mal.
Se somente
estas são as verdades religiosas que a razão pode alcançar, verificar e
aceitar, então os conteúdos, os ritos, as histórias sagradas das religiões
positivas (tradicionais) são unicamente superstições, fruto do meso e da
ignorância. Cabe à razão iluminar as trevas das religiões positivas, mostrando
a sua variedade, analisando suas origens e seus usos sociais e, deste modo,
evidenciando a sua desumanidade absurda.
Por
outro lado, a crença em Deus e a religião também foram combatidas como
obstáculo ao progresso do conhecimento, como instrumento de opressão e
geradores de intolerância, como causa de princípios éticos equivocados e
desumanos e como fundamento de péssimas organizações sociais. Assim, vê-se o
lado ateu e materialista do Iluminismo defendendo a necessidade de ter a
coragem para libertar-se dos vínculos da religião, renunciar a todos os deuses
e reconhecer os direitos da natureza.
Por
fim, o Iluminismo não é somente uso crítico da razão é também o compromisso de
utilizar a razão e os seus resultados nos vários campos de pesquisa para
melhorar a vida individual e social do homem. É ele o responsável por duas
concepções fundamentais para a cultura moderna e contemporânea: a concepção de
progresso e de tolerância.
A
tolerância religiosa além de pregar a convivência pacífica das várias
confissões religiosas, também impede que a religião se torne um instrumento de
governo. Contrário aos sistemas metafísicos e representante de uma
religiosidade e uma moralidade racionais e leigas, o racionalismo iluminista
estabelece a Razão como fundamento das normas jurídicas e das concepções do
Estado. Fala-se, deste modo, em religião natural, em moral natural e, também,
em direito natural, isto é, o natural significa aquilo que não é sobrenatural,
significa o que é racional.
Por
outro lado, o compromisso de transformação, próprio do Iluminismo, leva à
concepção da história como progresso, isto é, como possibilidade de mudar para
melhor o ponto de vista do saber e dos modos de vida do homem. Deste modo, esta
ideia serviu para deletar a de fatalismo histórico, o que impedia qualquer
iniciativa de transformação.
As
ideias iluministas não penetraram nas massas populares da Europa do século
XVIII. Elas tiveram recepção nas camadas intelectuais e entre a burguesia,
sendo as massas indiferentes à sua influência. Os meios utilizados para
acelerar a circulação das ideias iluministas foram:
a)
As Academias;
b)
A maçonaria;
c)
Os salões;
d)
A Enciclopédia;
e)
O epistolário;
f)
Os ensaios;
g)
Os diários e os periódicos.