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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Sobre as campanhas antidrogas.

De um modo geral, as campanhas contra as drogas na América Latina acontecem de modo simultâneo. O significado sociopolítico de tais campanhas extrapola as suas motivações explícitas. Normalmente elas se estabelecem como forma de controle, mas também como mecanismo com finalidades políticas: desviar a atenção de problemas locais mais importantes, produzir o consenso fundamental e necessário para que medidas autoritárias pudessem ser adotadas, desacreditar e desarticular movimentos e instituições sociais e, por fim mas não menos importante, as finalidades estratégicas da dominação internacional.
As campanhas contra as drogas costumam vir acompanhadas de uma carga de fabulação atribuídas às drogas em encontros internacionais de todos os tipos. A elas foram atribuídos adjetivos diversos, menos por critérios científicos e mais por critérios religiosos e apocalípticos, tais como: “erva maldita”, “veneno de nossa sociedade”, “causa da perda dos valores”, etc.
Em torno das drogas encontra-se uma capacidade de, ao mesmo tempo, fascinar e aterrorizar, bem como aglutinar consenso em torno de sua condenação e das políticas de combate a ela. Também giram a maior concentração de pré-conceitos e de conhecimentos pré-elaborados e senso comum. Deste modo, há o predomínio dos estereótipos oriundos do senso comum e dos moralismos superficiais. Assim, difícil é tratar do assunto sem “receber a acusação de perversão, maldade ou cumplicidade”. (CASTRO, 2005, p. 172)
O tema fica mais grave quando consideramos que na América Latina importamos tudo dos Estados Unidos da América (EUA), dos seus problemas às suas diretrizes de ação, passando por suas perspectivas morais. Um dos maiores exemplos disto é que, no caso das drogas, a criação de penas cada vez mais severas, mesmo que alguns casos inconstitucionais, têm-se apresentado como uma exigência maior de política pública. Na Venezuela por exemplo, a lei antidrogas foi aprovada em apenas cinco dias, mesmo que lhe imputados graves erros, confusões e contradições, como por exemplo, disposição de imprescritibilidade e penas tão altas quanto as previstas para o homicídio.
Segundo Lola Aniyar de Castro (2005, p. 173), dentre as diversas formas de controle, chama a atenção a forma utilizada pelo Equador que, segundo nota de jornal, estimula os policiais a colaborar com a repressão ao narcotráfico com “prêmios de viagem à Disneylândia, quando detiverem delinquentes e os entregarem à Miami”.
Estudos tendem a mostrar que os danos produzidos pelas drogas são muito mais o resultado da política sobre droga do que por seu efeito farmacológico.
Outro aspecto relevante está na compreensão que se dá à chamada “cooperação internacional”. Embora não exista de fato uma cooperação internacional em torno do combate às drogas, há uma ilusão de que ela existe. No entendimento de Lola Aniyar de Castro (2005, p. 173)
A realidade é que os Estados Unidos não cooperam com nossos países mas com seus próprios interesses internos, fazendo-nos crer que o interesse é mútuo”. [...] É importante assinalar que os Estados Unidos não apenas impuseram seus critérios de criminalização à ordem internacional como obtiveram benefícios secundários de caráter político.
A história da criminalização da droga demonstra a influência de certos interesses e como isto acabou por determinar a transformação de seu valor de uso em valor de troca. Deste modo, a droga ascendeu à condição de super-mercadoria no mercado internacional e nos mercados locais e tudo isto em virtude dela ter-se transformado em objeto de comércio proibido.
O consumo de drogas é habitual e quase natural em diferentes contextos sociais. Segundo Lola Aniyar de Castro (2005, p. 174) “A droga integra a história cultural e religiosa do Terceiro Mundo. São os países desenvolvidos, especialmente os Estados Unidos, que impõem a proibição”.
A desconfiança que aparece como pano de fundo é a de que interesses de outras ordens, que pouco ou nada têm a ver com as drogas, intervêm na proibição. Originalmente países como a Grã-Bretanha, Alemanha e Índia mostravam-se mais preocupadas com a regulação do que com a proibição. É a partir de 1971 na Convenção de Substâncias Psicotrópicas de Viena que a mentalidade proibicionista dos EUA começa a se impor garantindo a eles o domínio, pois “conseguem instituir uma política internacional, estreitamente associada aos órgãos da droga das Nações Unidas, em quase todos os países do mundo”. (CASTRO, 2005, p. 174)
A política de criminalização das drogas, no entanto, volta-se para aquelas que são produzidas nas regiões subdesenvolvidas. Quando se trata das drogas produzidas pelos países industrializados como o álcool e o tabaco, o controle ganha outros significados. Por outro lado, também não se controla a venda das drogas denominadas de “produtos farmacêuticos” que são proibidas em seus países de origem, mas que são comercializadas livremente nos países do Terceiro Mundo.
Uma tentativa de aprovação de um código internacional sobre drogas junto à Organização Mundial de Saúde (OMS) foi encabeçada por países do Terceiro Mundo, mas rejeitada pelos países desenvolvidos que controlam por meio de suas empresas farmacêuticas privadas 89% da produção de fármacos em um mercado que atinge anualmente a cifra de 8bilhões de dólares. Os EUA controlam 75% do negócio dos remédios em nível mundial e a metade dos recursos da OMS.
A criminalização das drogas também traz vantagens em outros campos da economia industrial. Surgem na esteira da criminalização das drogas as indústrias legais da consciência: publicidade e meios informativos com seus enormes lucros; a indústria da música, da moda e dos acessórios. Aparecem, ainda, a indústria do tratamento médico, psiquiátrico, psicológico, religioso e da assistência social. Mas a mais significativa e lucrativa é a indústria da repressão com seus recursos astronômicos que aumentam a cada nova campanha anti-drogas.
O caráter destrutivo que é atribuído às drogas traz uma consequência vantajosa às políticas de controle que é a criação de certos estereótipos vinculados à dominação interna. Assim, estudantes contestadores, desempregados, trabalhadores relapsos e todos aqueles que não trazem consigo os valores políticos dos dominantes são frequentemente vinculados em sua imagem ao vício e ao delito. Assim, a criação de estereótipos tem utilidade na medida em que estigmatiza o maniqueísmo social da relação entre os “bons” e os “maus”.
Outro estereótipo é o que vincula a droga à subversão, isto é, o tráfico e o consumo de drogas é frequentemente associado às atividades subversivas e, deste modo, dá-se uma maior legitimidade ao controle social e político, pois o seu poder contaminador associado a condicionantes morais o tema “droga” serve para deslegitimar pessoas, movimentos, governos, ações pessoais ou públicas e, o que parecer ser pior, sem necessidade de apresentação de argumentos comprobatórios.
Por último, cabe destacar a vincular entre as drogas criminalizadas e parte dos organismos de maior poder na sociedade. É do conhecimento comum da sociedade que as organizações criminosas em torno das drogas são altamente sofisticadas com organização piramidal que se pode identificar a base e até algumas pessoas intermediárias, mas cuja ponta não se conhece quem a ocupa. Como é uma empresa que movimenta grande quantidade de capital, boa parte desse capital é lavado ou “branqueado” em empresas nacionais e até internacionais de aparência lícita.
Além do mais, governos também têm-se beneficiado do poder econômico das drogas, pois há governos que foram (e são) sustentados pelo dinheiro oriundo do tráfico de drogas. “Na América Latina começou-se a considerar a droga (não apenas sua produção, mas seu comércio) como uma economia alternativa para países em crise”. (CASTRO, 2005, p. 180) Em alguns países a renda obtida por meio das drogas é inclusive superior ao Produto Interno Bruto (PIB).
E outro aspecto econômico é a monetarização da droga, em especial na América Latina. Este fenômeno se dá porque a cotação da droga no mercado internacional se dá em dólares, que tem mais estabilidade do que algumas moedas nacionais, assim, criam-se reservas de riqueza em drogas e não em dinheiro, também que se façam pagamentos em drogas.
Aqueles que ocupam a cúpula desta estrutura encontram-se distantes dos que produzem e comercializam as drogas, também estão distantes das atividades de controle. São elementos geralmente identificáveis pela polícia, que nem sempre podem chegar a eles, ou não querem.
Deste modo, a proibição em torno das drogas tem alimentado um comércio de vultosa quantidade de dinheiro, dando origem a um poder econômico muito mais forte do que o de muitas empresas transnacionais. As consequências políticas internacionais de tudo isto são imprevisíveis.
José Rogério de Pinho Andrade.