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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Deus, segundo Spinoza


Deus, segundo Spinoza

Para de ficar rezando e batendo no peito! O que eu quero que faças é que saias pelo  mundo e desfrutes de tua vida. Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti.
Para de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construístes e que acreditas ser a minha casa.
Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.
Para de me culpar da tua vida miserável: Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau.
O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria. Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.
Para de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho... Não me encontrarás em nenhum livro!
Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho?
Para de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.
Para de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz... Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências e de livre-arbítrio. Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti? Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez? Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade? Que tipo de Deus pode fazer isso?
Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti.
Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti. A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia.
Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso. Esta vida é a única que há aqui e agora, e a única que precisas.
Eu te fiz absolutamente livre. Não há prêmios nem castigos. Não há pecados nem virtudes. Ninguém leva um placar. Ninguém leva um registro.
Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.
Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho. Vive como se não o houvesse. Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir. Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei.
E se houver, tem certeza que Eu não vou te perguntar se foste comportado ou não. Eu vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste... Do que mais gostaste? O que aprendeste?
Para de crer em mim - crer é supor, adivinhar, imaginar. Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti. Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar.
Para de louvar-me! Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja?
Me aborrece que me louvem. Me cansa que agradeçam. Tu te sentes grato?
Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo. Te sentes olhado, surpreendido?... Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar.
Para de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim. A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas. Para que precisas de mais milagres? Para que tantas explicações?
Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro... aí é que estou, batendo em ti.

Baruch Spinoza, um filósofo judeu holandês (1632 a 1677), desenvolveu suas ideias a respeito das Escrituras Sagradas e da natureza de Deus. Pode-se imaginar, na época em que foram divulgadas, as críticas e a comoção que essas ideias geraram. As autoridades judaicas o excomungaram, quando tinha 23 anos. Spinoza muda seu nome de Baruch (abençoado) para Benedito de Spinoza.  Também ficou conhecido como Bento Spinoza. A Igreja Católica colocou seus livros no Índice de Livros Proibidos.
Texto retirado da internet:
Acesso em 29/12/2011.

domingo, 4 de dezembro de 2011

O Discurso do Método - René Descartes


ANÁLISE E RESUMO DO TEXTO DE “O DISCURSO DO MÉTODO” DE RENÉ DESCARTES.
José Rogério de Pinho Andrade

O pensamento cartesiano, típico do contexto histórico de formação da modernidade, caracteriza-se pela experiência da derrocada cultural da época. Marcado pela crise da modernidade, se configura como uma crítica à filosofia e à lógica tradicionais, bem como ao saber matemático e a busca de uma nova fundamentação do saber.
De traços humanísticos, a modernidade é crítica na necessidade de seus fundamentos. Entre o ceticismo e o dogmatismo medievais, bem como a expansão do empirismo é um contexto paradoxal que precisa ser solucionado. Segundo REALE & ANTISERI

“se estava difundida a confiança no homem e no seu poder racional, também estava bastante difundida a incerteza sobre o caminho a tomar para garantir uma coisa e superar a outra”. (p. 288)

Nesse tempo, o pensamento de Descartes apresentava-se como uma superação de tais problemas. Queria ele

“oferecer regras certas e fáceis, que corretamente observadas, levarão ao conhecimentos verdadeiro de tudo aquilo que se pode conhecer”. (p. 288)

Para o filósofo, são quatro as regras que devem ser seguidas e estão apresentadas em sua obra O Discurso do Método. Essas regras constituem o modelo do saber, porque estabelecem clareza e distinção ao conhecimento, são elas:
1 – A evidência racional: é o ponto de partida e de chegada de toda atividade racional. Se alcança mediante a intuição autofundamentada e autojustificada. Assim se enuncia:

“nunca aceitar algo como verdadeiro que eu não conhecesse claramente como tal; ou seja, de evitar cuidadosamente a pressa e a prevenção, e de nada fazer constar de meus juízos que não se apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito que eu não tivesse motivo algum de duvidar dele”. (p.49)

2 – A segunda regra é a defesa do método analítico, único que pode levar à evidencia. Diz:

“o de repartir cada uma das dificuldades em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de melhor solucioná-las”. (p. 49)

3 – A terceira regra é o procedimento da síntese estabelecedora do nexo e do encadeamento do raciocínio. É expresso

“o de conduzir por ordem meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para elevar-me, pouco a pouco, como galgando degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e presumindo até mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros”. (p. 50)

4 – A quarta e última regra apresenta-se como a enumeração e revisão necessárias para impedir qualquer precipitação. Diz,

“o de efetuar em toda parte relações metódicas e revisões tão gerais nas quais eu tivesse a certeza de nada omitir”. (p. 50)

Após estabelecer as regras é preciso justificá-las, explicá-las em sua universalidade e fecundidade.
Na busca de verificar se o saber tradicional contém alguma verdade de forma clara e distinta que se subtraia a qualquer razão de dúvida, Descartes aplica-lhes as regras, pois a condição é que não seja lícito aceitar como verdade quaisquer afirmações que estejam maculadas pela dúvida.
Ele verifica que boa parte do saber tradicional pretende ter base na experiência sensível, mas outra boa parte se funda sobre a razão. Pro fim, o saber matemático que parece indubitável, porque válido em todas as circunstâncias.
Mas, como confiar em um conhecimento que tenha como base os sentidos se estes nos confundem e nos enganam? A razão também não está imune à dúvida, portanto, à obscuridade e incerteza. Nem sequer se pode dizer que a matemática esteja isenta, pois ela pode ser obra de um “gênio maligno, astuto e enganador”, que brincando nos faz considerar coisas evidentes quando não o são.
Com a dúvida estabelecida, Descartes busca

“pôr em crise o dogmatismo dos filósofos tradicionais, ao mesmo tempo que também quer combater a atitude cética, que se comprazia em pôr tudo em dúvida sem nada oferecer em troca”. (REALE & ANTISERI, p.292)

Ao duvidar, chega, a partir da própria dúvida, à certeza de que existe. Como diz em sua obra O Discurso do Método

“E, ao notar que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão sólida e tão correta que as mais extravagantes suposições dos cético não seriam capazes de lhe causar abalo, julguei que podia considerá-la, sem escrúpulo algum, o primeiro princípio da filosofia que procurava”. (p. 62)

A proposição “eu penso, logo existo” é absolutamente verdadeira, pois mesmo a dúvida mais radicalizada e extremada a confirma. Mais, tal expressão se apresenta como uma intuição, é o pensamento em ato sem qualquer mediação indicando porque a clareza é a regra fundamental do conhecimento e porque a intuição é seu ato fundamental. Ela não é um raciocínio, mas uma intuição pura e é ela que lhe faz ver a natureza de sua própria existência como res cogitans, uma realidade pensante, sem qualquer separação entre pensamento e ser.
A aplicação da regras do método levou à descoberta do homem como realidade pensante que revela-se de modo claro e distinto. A filosofia não é mais a ciência do ser, mas sim doutrina do conhecimento, pois a partir de agora

“a atividade cognoscitiva, mais do que se preocupar em fundamentar suas conquistas em sentido metafísico, deve procurar a clareza e a distinção, que são os traços típicos da primeira verdade que se impôs à nossa razão e que devem ser a marca de qualquer outra verdade”. (REALE & ANTISERI, p. 293)

A certeza fundamental é a do Cogito, isto é, penso, logo existo. O método conduz à reta razão que pertence a todos os homens. Deste modo, seu método adquire uma dimensão universal e funda todos os outros conhecimentos. A reta razão é “a faculdade de julgar bem e distinguir o verdadeiro do falso (...) aquilo que se chama bom senso ou razão, [e que] é naturalmente igual em todos os homens”. (REALE & ANTISERI, p. 294)
É a razão bem guiada e desenvolvida que representa a unidade dos homens, pois, “a unidade das ciências remete à unidade da razão. E a unidade da razão remete à unidade do método”. (REALE & ANTISERI, p. 295)
Após alcançar a primeira certeza fundamental, a consciência de si mesmos como ser pensante, busca encontrar outras idéias que se apresentam com o caráter de auto-evidência do cogito. Como será possível sair dela e reafirmar o mundo externo?
Necessário se faz, recordar que para Descartes as idéias são divididas em três tipos: idéias inatas, adventícias e factícias.
1 – As idéias inatas são aquelas que encontramos em nós mesmos, junto com a nossa consciência;
2 – As idéias adventícias são aquelas que vêm de fora de nós e nos remetem a coisas diferentes de nós;
3 – As idéias factícias ou construídas por nós mesmos. São ilusórias. Porque quiméricas ou construídas arbitrariamente.
Descartando as últimas, o problema que resta é tentar entender a objetividade das idéias inatas e das adventícias. Quem lhes garante a objetividade? A resposta é direta: a clareza e a distinção.
Para fundamentar definitivamente o caráter objetivo de nossas faculdade cognitivas, Descartes propõe e resolve o problema da existência e do papel de Deus.
Ao se deparar com a existência da idéia inata de deus, ele se pergunta se é uma idéia puramente subjetiva ou se não deve ser considerada ao mesmo tempo subjetiva e objetiva. É o problema sobre a existência de Deus proposto a partir da própria consciência do homem.
Parte do princípio de que o efeito só pode retirar sua realidade de sua causas e que esta só pode transmitir o que possui, conclui que a idéia inata da perfeição de Deus não é de autoria do próprio homem, mas só pode ser proveniente de um ser perfeito, Deus.
Uma segunda reflexão decorrente desta primeira, ou seja, da idéia inata de deus, considera que negar a existência de Deus criador é considerar-se como autoproduto, o que nos levaria a nos dar toda as perfeições que encontramos na idéia de Deus.
Um terceiro argumento utilizado pelo filósofo, é conhecido como a prova ontológica da existência de deus, parte do pressuposto de que

 “a existência é parte é parte integrante da essência, de modo que não é possível ter a idéia (a essência) de deus sem simultaneamente admitir sua existência (...) já do simples fato de que não posso conceber Deus sem existência deriva que a existência é inseparável dele e, portanto, que ele existe verdadeiramente”. (DESCARTES, Apud REALE & ANTISERI, P. 297)

Descartes se atém à idéia de Deus para

“defender a positividade da realização humana e, do ponto de vista do poder cognoscitivo, sua natural capacidade de conhecer o verdadeiro; e, no que se refere ao mundo, a imutabilidade de suas leis”. (REALE & ANTISERI, P. 297)

A hipótese do gênio maligno é derrotada pela força protetora de Deus. A dúvida é derrotada e o critério da evidencia se justifica conclusivamente, pois

“O deus criador impede que se considere que a criatura seja portadora de um principio dissolutivo dentro de si, ou que suas faculdades não estejam em condições de cumprir suas funções”. (REALE & ANTISER, p. 298)

Qual seria, então a origem do erro, pois se Deus é verdadeiro e não enganador? Naturalmente o erro é imputável ao próprio homem, porque nem sempre se mostra fiel à clareza e à distinção. O erro brota da vontade sobre o intelecto. Consiste no uso inadequado da razão.
Depois de tratar do problema da fundamentação do conhecimento e de indicas as causas e implicações do erro, passa a tratar do conhecimento do mundo e de si enquanto existente no mundo.
Descartes chega à existência do mundo corpóreo aprofundando as idéias adventícias. Tal existência é possível por causa do fato de que o mundo é objeto das demonstrações geométricas, que se baseiam na idéia de extensão. Há, ainda, a capacidade do intelecto em imaginar e sentir.
Se esse poder de ligação com o mundo natural fosse enganoso, concluir-se-ia que Deus, que nos criou assim, não é veraz - isto já foi demonstrado. Deste modo,não há porque pôr em discussão as faculdades imaginativas e sensíveis, visto elas atestarem a existência do mundo corpóreo. Este é concebido como extensão, pois que é a única coisa concebida como clara e distinta dos corpos.
A extensão é a propriedade essencial do mundo material. O mundo espiritual é res cogitans, o mundo material é res extensa. As outras propriedades do mundo material são secundárias e não é possível ter delas uma idéia clara e distinta.
A realidade está dividida em duas outras realidades: a res cogitans e a res extensa. A primeira se referindo ao mundo espiritual e a segunda ao mundo material.
Não há graus intermediários entre a res cogitans e a res extensa. Tato o mundo como o corpo humano devem encontrar explicação suficiente no mundo da mecânica. Deste modo, os elementos essenciais para explicar o mundo físico são: matéria (entendida como extensão) e movimento.
As leis fundamentais que regem o mundo físico são: 1- O princípio de conservação do movimento, segundo o qual a quantidade de movimento permanece constante, contra qualquer possível degradação de energia ou entropia; 2 – O Princípio de inércia que parte do pressuposto de que uma vez iniciado, o movimento tende a prosseguir na mesma direção e 3 – O princípio do movimento retilíneo para o qual toda coisa tende a mover-se em linha reta.
O pensamento cartesiano, é uma tentativa de unificar a realidade, mediante modelos mecânicos de inspiração geométrica. Para ele, tanto o corpo quanto os organismos são máquinas e, portanto, funcionam com base em princípios mecânicos que regulam seus movimentos e suas relações.
A vida é redutível a uma espécie de entidade material que levada do coração ao cérebro pela corrente sanguínea, se difunde pelo corpo e preside ás principais funções do organismo.
É negada aos organismos a existência da alma. Esta, somente os homens a possuem e ela se revela por meio da palavra, que “é o único sinal e a única prova segura do pensamento oculto e encerrado no corpo”. (DESCARTES, Apud REALE & ANTISERI, p. 301)
No homem, pela glândula pineal encontrada no centro do cérebro, encontram-se juntas as duas substâncias claramente distintas entre si, a res cogitans e a res extensa. É a alma que estabelece o ponto de encontro entre dois mundos, ela não é vida, é pensamento. Não tem nada em comum com o corpo.
Contudo, há uma interferência constante entre essas duas vertentes. Por qual razão e de que modo a alma move o corpo e age sobre ele? A resposta nos leva a entender como a fisiologia do corpo pode influir na conduta. Esboça-se um quadro de análise das ações movidas pela vontade e das alterações, que são percepções, sentimentos ou emoções provocados pelo corpo e captados pela alma.
Tem como objetivo mostrar que a alma pode vencer as emoções, ou, ao menos, frear as solicitações sensíveis que a distraem da atividade intelectual, direcionando-as para as amarras da paixão. Dois sentimento são importantes, um nos mostrando as coisas das quais devemos fugir e outro, as que devemos cultivar. São eles, respectivamente, a tristeza e a alegria.
Somo guiados pela nossa razão, pois ela é a única que pode avaliar e, consequentemente, induzir a acolher ou rejeitar certas emoções. A sabedoria consiste, portanto, na adoção do pensamento claro e distinto como norma, tanto do pensar como do viver.
No Discurso do Método, Descartes apresenta algumas normas que são entendidas como máximas provisórias de uma moral também provisória. São normas simples que é oportuno lembrar sempre.
A primeira dessas normas diz,

“obedecer às leis e aos costumes de meu país, mantendo-me na religião na qual deus me concedera a graça de ser instruído a partir da infância, e conduzindo-me, em tudo o mais, de acordo com as opiniões moderadas e mais distantes do excesso, que fossem comumente aceitas pelos mais sensatos daqueles com os quais eu teria de conviver”. ( DESCARTES, p. 53)

Estabelecendo a distinção entre a contemplação e a busca da verdade de um lado, e as exigências do dia-a-dia de outro, o filósofo considera que para a verdade, há a exigência da evidência e da distinção, que sendo alcançadas nos dão o juízo. Quanto às exigências do cotidiano, considera suficiente o bom senso, expresso pelos costumes do povo junto do qual vive.
A segunda regra da moral provisória cartesiana

“consistia em ser o mais firme e decidido possível em minhas ações, e em não seguir menos constantemente do que fossem muito seguras as opiniões mais duvidosas, sempre que eu me tivesse decidido a tanto”. (DESCARTES, p. 55)

É uma norma pragmática, de caráter imediato que conclama a romper as protelações e exige tomada de decisões. No entanto, não se deve esquecer da permanência da obrigação de examinar a veracidade e a bondade dessas opiniões. Para superar as indecisões, receitava o hábito de formular juízos certos e determinados sobre as coisas que se apresentam, convencendo-se de que foi cumprido o próprio dever quando se fez aquilo que se julgava o melhor, ainda que seja julgado muito mal.
A terceira regra visa a reforma de si mesmo que é possível fazer refinando-se a razão, mediante o habituar-se às regras da clareza e da distinção. Diz em seu texto,

“procurar sempre vencer a mim próprio do que ao destino, e de antes modificar os meus desejos do que a ordem do mundo”. (DESCARTES, p. 55)

A quarta máxima tem como função mais importante o propósito de retificar a vontade reformando a vida no pensamento. Encontra-se no texto,

“achei que o melhor a fazer seria continuar naquela mesma em que me encontrava, ou seja, utilizar toda a minha existência em cultivar a minha razão, e progredir o máximo que pudesse no conhecimento da verdade de acordo com o método que me determinara”. (DESCARTES, p. 57)

A ética cartesiana é orientada para a lenta e trabalhosa submissão da vontade à razão, como força-guia de todo o homem. Identifica, portanto, virtude à razão, com a fuga dos apetites e das paixões.
A liberdade da vontade se configura pela submissão à ordem que o intelecto é chamado a descobrir, dentro e fora de si. É sob o peso da verdade que o homem pode considerar-se livre, pois, seguir a verdade é seguir-se a si mesmo, na máxima unidade interior e no pleno respeito à realidade objetiva.

Resposta à Pergunta: Que é esclarecimento [Aufklärung]?


Resposta à Pergunta: Que é esclarecimento [Aufklärung]?
José Rogério de Pinho Andrade
Immanuel Kant. In: Fundamentação da Metafísica dos Costumes e outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2003.

1.     DEFINIÇÃO DO ILUMINISMO

Esclarecimento [Aufklärung] é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude!  Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento [Aufklärung].

2.     DIFICULDADE PARA O HOMEM DE SAIR DO ESTADO DE MENORIDADE

A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens, depois que a natureza de há muito os libertou de uma direção estranha (naturaliter maiorennes), continuem, no entanto, de bom grado menores durante toda a vida. São também as causas que explicam por que é tão fácil que os outros se constituam em tutores deles. É tão cômodo ser menor. Se tenho um livro que faz as vezes de meu entendimento, um diretor espiritual que por mim tem consciência, um médico que por mim decide a respeito de minha dieta, etc., então não preciso esforçar-me eu mesmo. Não tenho necessidade de pensar, quando posso simplesmente pagar; outros se encarregarão em meu lugar dos negócios desagradáveis. A imensa maioria da humanidade (inclusive todo o belo sexo) considera a passagem à maioridade difícil e além do mais perigosa, porque aqueles tutores de bom grado tomaram a seu cargo a supervisão dela. Depois de terem primeiramente embrutecido seu gado doméstico e preservado cuidadosamente estas tranqüilas criaturas a fim de não ousarem dar um passo fora do caminho para aprender a andar, no qual as encerraram, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça se tentarem andar sozinhas. Ora, este perigo na verdade não é tão grande, pois aprenderiam muito bem a andar finalmente, depois de algumas quedas. Basta um exemplo deste tipo para tornar tímido o indivíduo e atemorizá-lo em geral para não fazer outras tentativas no futuro. É difícil, portanto, para um homem em particular desvencilhar-se da menoridade que para ele se tornou quase uma natureza. Chegou mesmo a criar amor a ela, sendo por ora realmente incapaz de utilizar seu próprio entendimento, porque nunca o deixaram fazer a tentativa de assim proceder. Preceitos e fórmulas, estes instrumentos mecânicos do uso racional, ou antes do abuso de seus dons naturais, são os grilhões de uma perpétua menoridade. Quem deles se livrasse só seria capaz de dar um salto inseguro mesmo sobre o mais estreito fosso, porque não está habituado a este movimento livre. Por isso são muitos poucos aqueles que conseguiram, pela transformação do próprio espírito, emergir da menoridade e empreender então uma marcha segura.
Que porém um público se esclareça [aufkläre] a si mesmo é perfeitamente possível; mais que isso, se lhe for dada a liberdade, é quase inevitável. Pois encontrar-se-ão sempre alguns indivíduos capazes de pensamento próprio, até entre os tutores estabelecidos da grande massa, que, depois de terem sacudido de si mesmos o jugo da menoridade, espalharão em redor de si o espírito de uma avaliação racional do próprio valor e da vocação de cada homem em pensar por si mesmo. O interessante nesse caso é que o público, que anteriormente foi conduzido por eles a este jugo, obriga-os daí em diante a permanecer sob ele, quando é levado a se rebelar por alguns de seus tutores que, eles mesmos, são incapazes de qualquer esclarecimento [Aufklärung]. Vê-se assim como é prejudicial plantar preconceitos, porque terminam por se vingar daqueles que foram seus autores ou predecessores destes. Por isso, um público só muito lentamente pode chegar ao esclarecimento [Aufklärung]. Uma revolução poderá talvez realizar a queda do despotismo pessoal ou da opressão ávida de lucros ou de domínios, porém nunca produzirá a verdadeira reforma do modo de pensar. Apenas novos preconceitos, assim como os velhos, servirão como cintas para conduzir a grande massa destituída de pensamento.

3.     CONDIÇÃO ESSENCIAL PARA O ILUMINISMO É A LIBERDADEDE FAZER USO PÚBLICO DA RAZÃO

Para esse esclarecimento [Aufklärung], porém, nada mais se exige senão liberdade. E a mais inofensiva entre tudo aquilo que se possa chamar liberdade, a saber: a de fazer um uso público de sua razão em todas as questões. Ouço, agora, porém, exclamar de todos os lados: não raciocineis! O oficial diz: não raciocineis, mas exercitai-vos! O financista exclama: não raciocinei, mas pagai! O sacerdote proclama: não raciocineis, mas crede! (Um único senhor no mundo diz: raciocinai, tanto quanto quiserdes, e sobre o que quiserdes, mas obedecei!). Eis aqui por toda a parte a limitação da liberdade.

4.     USO PÚBLICO E PRIVADO DA RAZÃO

Que limitação, porém, impede o esclarecimento [Aufklärung]? Qual não o impede, e até mesmo favorece? Respondo: o uso público de sua razão deve ser sempre livre e só ele pode realizar o esclarecimento [Aufklärung] entre os homens. O uso privado da razão pode, porém, muitas vezes ser muito estreitamente limitado, sem, contudo, por isso impedir notavelmente o progresso do esclarecimento  [Aufklärung]. Entendo, contudo, sob o nome de uso público de sua própria razão aquele que qualquer homem, enquanto sábio, faz dela diante do grande público do mundo letrado. Denomino uso privado aquele que o sábio pode fazer de sua razão em determinado cargo público ou função a ele confiada. Ora, para muitas profissões que se exercem no interesse da comunidade, é necessário certo mecanismo, em virtude do qual alguns membros da comunidade devem comportar-se de modo exclusivamente passivo para serem conduzidos pelo governo, mediante uma unanimidade artificial, para finalidades públicas, ou pelo menos devem ser contidos para não destruir essa finalidade. Em casos tais, não é sem dúvida permitido raciocinar, mas deve-se obedecer. Na medida, porém, em que esta parte da máquina se considera ao mesmo tempo membro de uma comunidade total, chegando até a sociedade constituída pelos cidadãos de todo o mundo, portanto na qualidade de sábio que se dirige a um público, por meio de obras escritas de acordo com seu próprio entendimento, pode certamente raciocinar, sem que por isso sofram os negócios a que ele está sujeito em parte como membro passivo. Assim, seria muito prejudicial se um oficial, a que seu superior deu uma ordem, quisesse pôr-se a raciocinar em voz alta no serviço a respeito da conveniência ou da utilidade dessa ordem. Deve obedecer. Mas, razoavelmente, não se lhe pode impedir, enquanto homem versado no assunto, fazer observações sobre os erros no serviço militar, e expor essas observações ao seu público, para que as julgue. O cidadão não pode se recusar a efetuar o pagamento dos impostos que sobre ele recaem; até  mesmo a desaprovação impertinente dessas obrigações, se devem ser pagas por ele, pode ser castigada como um escândalo (que poderia causar uma desobediência geral). Exatamente, apesar disso, não age contrariamente ao dever de um cidadão se, como homem instruído, expõe publicamente suas idéias contra a inconveniência ou a injustiça dessas imposições. Do mesmo modo também o sacerdote está obrigado a fazer seu sermão aos discípulos do catecismo ou à comunidade, de conformidade com o credo da Igreja a que serve, pois foi admitido com esta condição. Mas, enquanto sábio, tem completa liberdade, e até mesmo o dever, de dar conhecimento ao público de todas as suas idéias, cuidadosamente examinadas e bem intencionadas, sobre o que há de errôneo naquele credo, e expor suas propostas no sentido da melhor instituição da essência da religião e da Igreja. Nada existe aqui que possa constituir um peso  na consciência. Pois aquilo que ensina em decorrência de seu cargo como funcionário da Igreja, expõe-no como algo em relação ao qual não tem o livre poder de ensinar como melhor lhe pareça, mas está obrigado a expor segundo a prescrição de um outro e em nome deste. Poderá dizer: nossa igreja ensina isto ou aquilo; estes são os fundamentos comprobatórios de que ela se serve. Tira então toda utilidade prática para sua comunidade de preceitos que ele mesmo não subscreveria com inteira convicção,  em cuja apresentação pode, contudo se comprometer, porque não é de todo impossível que em seus enunciados a verdade esteja escondida. Em todo caso, porém, pelo menos nada deve ser encontrado aí que seja contraditório com a religião interior. Pois se acreditasse encontrar esta contradição não poderia em sã consciência desempenhar sua função, teria de renunciar. Por conseguinte, o uso que um professor empregado faz de sua razão diante de sua comunidade é unicamente um uso privado, porque é sempre um uso doméstico, por grande que seja a assembléia. Com relação a esse uso ele, enquanto padre, não é livre nem tem o direito de sê-lo, porque executa uma incumbência estranha. Já como sábio, ao contrário, que por meio de suas obras fala para o verdadeiro público, isto é, o mundo, o sacerdote, no uso público de sua razão, goza de ilimitada liberdade de fazer uso de sua própria razão e de falar em seu próprio nome. Pois o fato de os tutores do povo (nas coisas espirituais) deverem ser eles próprios menores constitui um absurdo que dá em resultado a perpetuação dos absurdos.

5.     CRIAR OBSTÁCULOS CONTRA O PROGRESSO DAS LUZES É UM CRIME CONTRA A NATUREZA HUMANA.

Mas não deveria uma sociedade de eclesiásticos, por exemplo, uma assembléia de clérigos, ou uma respeitável classe (como a si mesma se denomina entre os holandeses) estar autorizada, sob juramento, a comprometer-se com um certo credo invariável, a fim de por este modo de exercer uma incessante supertutela sobre cada um de seus membros e por meio dela sobre o povo, e até mesmo a perpetuar essa tutela? Isto é inteiramente impossível, digo eu. Tal contrato, que decidiria afastar para sempre todo ulterior esclarecimento [Aufklärung] do gênero humano, é simplesmente nulo e sem validade, mesmo que fosse confirmado pelo poder supremo, pelos parlamentos e pelos mais solenes tratados de paz. Uma época não pode se aliar e conjurar para colocar a seguinte em um estado em que se torne impossível para esta ampliar seus conhecimentos (particularmente os mais imediatos), purificar-se dos erros e avançar mais no caminho do esclarecimento [Aufklärung]. Isto seria um crime contra a natureza humana, cuja determinação original consiste precisamente neste avanço. E a posteridade está, portanto plenamente justificada em repelir aquelas decisões, tomadas de modo não autorizado e criminoso. Quanto ao que se possa estabelecer como lei para um povo, a pedra de toque está na questão de saber se um povo se poderia ter ele próprio submetido a tal lei. Seria certamente possível, como se à espera de lei melhor, por determinado e curto prazo, e para introduzir certa ordem. Ao mesmo tempo, se franquearia a qualquer cidadão, especialmente ao de carreira eclesiástica, na qualidade de sábio, o direito de fazer publicamente, isto é, por meio de obras escritas, seus reparos a possíveis defeitos das instituições vigentes. Estas últimas permaneceriam intactas, até que a compreensão da natureza de tais coisas se tivesse estendido e aprofundado, publicamente, a ponto de tornar-se possível levar à consideração do trono, com base em votação, ainda que não unânime, uma proposta no sentido de proteger comunidades inclinadas, por sincera convicção, a normas religiosas modificadas, embora sem detrimento dos que preferissem manter-se fiéis às antigas. Mas é absolutamente proibido unificar-se em uma constituição religiosa fixa, de que ninguém tenha publicamente o direito de duvidar, mesmo durante o tempo de vida de um homem, e com isso por assim dizer aniquilar um período de tempo na marcha da humanidade no caminho do aperfeiçoamento, e torná-lo infecundo e prejudicial para a posteridade. Um homem sem dúvida pode, no que respeita à sua pessoa, e mesmo assim só por algum tempo, na parte que lhe incumbe, adiar o esclarecimento [Aufklärung]. Mas renunciar a ele, quer para si mesmo quer ainda mais para sua descendência, significa ferir e calcar aos pés os sagrados direitos da humanidade. O que, porém, não é lícito a um povo decidir com relação a si mesmo, menos ainda um monarca poderia decidir sobre ele, pois sua autoridade legislativa repousa justamente no fato de reunir a vontade de todo o povo na sua. Quando cuida de toda melhoria, verdadeira ou presumida, coincida com a ordem civil, pode deixar em tudo o mais que seus súditos façam por si mesmos o que julguem necessário fazer para a salvação de suas almas. Isto não lhe importa, mas deve apenas evitar que um súdito impeça outro por meios violentos de trabalhar, de acordo com toda sua capacidade, na determinação e na promoção de si. Causa mesmo dano à sua majestade quando se imiscui nesses assuntos, quando submete à vigilância do seu governo os escritos nos quais  seus súditos procuram deixar claras suas concepções. O mesmo acontece quando procede assim não só por sua própria concepção superior, com o que se expõe à censura: Ceaser non est supra grammaticos, mas também e ainda em muito maior extensão, quando rebaixa tanto seu poder supremo que chega a apoiar o despotismo espiritual de alguns tiranos em seu Estado contra os demais súditos.

6.     A ÉPOCA ATUAL É DE “ILUMINISMO”, NÃO UMA ÉPOCA ILUMINADA

Se for feita então a pergunta: "vivemos agora uma época esclarecida [aufgeklärten]"?, a resposta será: "não, vivemos em uma época de esclarecimento [Aufklärung]. Falta ainda muito para que os homens, nas condições atuais, tomados em conjunto, estejam já numa situação, ou possam ser colocados nela, na qual em matéria religiosa sejam capazes de fazer uso seguro e bom de seu próprio entendimento sem serem dirigidos por outrem. Somente temos claros indícios de que agora lhes foi aberto o campo no qual podem lançar-se livremente a trabalhar e tornarem progressivamente menores os obstáculos ao esclarecimento [Aufklärung] geral ou à saída deles, homens, de sua  menoridade, da qual são culpados. Considerada sob este aspecto, esta época é a época do esclarecimento [Aufklärung] ou o século de Frederico.
Um príncipe que não acha indigno de si dizer que considera um dever não prescrever nada aos homens em matéria religiosa, mas deixar-lhes em tal assunto plena liberdade, que portanto afasta de si o arrogante nome de tolerância, é realmente esclarecido [aufgeklärt] e merece ser louvado pelo mundo agradecido e pela posteridade como aquele que pela primeira vez libertou o gênero humano da menoridade, pelo menos por parte do governo, e deu a cada homem a  liberdade de utilizar sua própria razão em todas as questões da consciência moral. Sob seu governo os sacerdotes dignos de respeito podem, sem prejuízo de seu dever funcional expor livre e publicamente, na qualidade de súditos, ao mundo, para que os examinasse, seus juízos e opiniões num ou noutro ponto discordantes do credo admitido. Com mais forte razão isso se dá com os outros, que não são limitados por nenhum dever oficial. Este espírito de liberdade espalha-se também no exterior, mesmo nos lugares em que tem de lutar contra obstáculos externos estabelecidos por um governo que não se compreende a si mesmo. Serve de exemplo para isto o fato de num regime de liberdade a tranqüilidade pública e a unidade da comunidade não constituírem em nada motivo de inquietação. Os homens se desprendem por si mesmos progressivamente do estado de selvageria, quando intencionalmente não se requinta em conservá-los nesse estado.

7.     O ILUMINISMO DEVE SE REFERIR SOBRETUDO ÀS COISAS DE RELIGIÃO

Acentuei preferentemente em matéria religiosa o ponto principal do esclarecimento 

[Aufklärung], a saída do homem de sua menoridade, da qual tem a culpa. Porque no que se refere às artes e ciências nossos senhores não têm nenhum interesse em exercer a tutela sobre seus súditos, além de que também aquela menoridade é de todas a mais prejudicial e a mais desonrosa. Mas o modo de pensar de um chefe de Estado que favorece a primeira vai ainda além e compreende que, mesmo no que se refere à sua legislação, não há perigo em permitir a seus súditos fazer uso público de sua própria razão e expor publicamente ao mundo suas idéias sobre uma melhor compreensão dela, mesmo por meio de uma corajosa crítica do estado de coisas existentes. Um brilhante exemplo disso é que nenhum monarca superou aquele que reverenciamos.


8.     UM PARADOXO: UMA LIBERDADE CIVIL MAIOR PÕE MAIORES LIMITES À LIBERDADE DO ESPÍRITO DO POVO.

Mas também somente aquele que, embora seja ele próprio esclarecido [], não tem medo de sombras e ao mesmo tempo tem à mão um numeroso e bem disciplinado exército para garantir a tranqüilidade pública, pode dizer aquilo que não é lícito a um Estado livre ousar: raciocinais tanto quanto quiserdes e sobre qualquer coisa que quiserdes; apenas obedecei! Revela-se aqui uma estranha e não esperada marcha das coisas humanas; como, aliás, quando se considera esta marcha em conjunto, quase tudo nela é um paradoxo. Um grau maior de liberdade civil parece vantajoso para a liberdade de espírito do povo e, no entanto, estabelece para ela limites intransponíveis; um grau menor daquela dá a esse espaço o ensejo de expandir-se tanto quanto possa. Se, portanto, a natureza por baixo desse duro envoltório desenvolveu o germe de que cuida delicadamente, a saber, a tendência e a vocação ao pensamento livre, este atua em retorno progressivamente sobre o modo de sentir do povo (com o que este se torna capaz cada vez mais capaz de agir de acordo com a liberdade), e finalmente até mesmo sobre os princípios do governo, que acha conveniente para si próprio tratar o homem, que agora é mais do que simples máquina, de acordo com a sua dignidade.


Por: Rogério Andrade